incêndio

Marta Leite Montagnana
2 min readOct 28, 2022

Há tempos eu não escrevia diretamente sobre política. Essa que chamamos de política, a macropolítica.

Mas ontem, arrumando a casa, eu me lembrei de 2016, quando explodiu a notícia “bela, recatada e ‘do lar’. Essa foi, na época, uma amostra do pensamento ultraconservador que nossa sociedade valoriza em massa, mas acho que não entendemos por completo na ocasião.

Escrevo isso diante de um incêndio na serra do candombá, em terras vizinhas, que posso ver da minha janela.

Você já tentou combater um incêndio no mato? E fazer isso sem materiais adequados e sem apoio capacitado? É uma das maiores sensações de impotência que já vivi.

Não há uma racionalidade no caminho do fogo, é bastante imprevisível, às vezes parece que em uma parte acabou, mas não acabou, e a outra que ninguém está dando conta segue caminhando… Você cansa, mas o fogo não.

Hoje, outra grande sensação de impotência minha é a nossa macropolítica, é esse momento pré-eleitoral atual.

Acredito que achamos nesses anos que o Bolsonaro, diante dos tantos absurdos que diria e faria, seria ele mesmo o seu tiro no pé. Que seus apoiadores lá em 2018 entenderiam, então, que ele é repulsivo, uma grande ameaça à existência. Só que não, não nunca, muito menos depois dos resultados do primeiro turno.

A verdade é que esses anos se passaram e nos deparamos hoje com a verdade mais crua: os discursos de ódio proferidos pelo Bolsonaro simplesmente representam a forma de pensar de quase metade da nossa população, por isso não arredaram.

E nesse momento, já tentei virar votos, já tentei na conversa mais franca e tranquila, com pessoas que conheço, falar de formas tocantes a elas. Similar a apagar incêndio, já não sei mais o que fazer, pois sei também que o caos é uma arma.

A verdade é uma só, a vida está ruim e estamos adoecendo.

O único desejo agora é de poder respirar aliviada, com uma chuva que chega para o nosso lado, cessando o fogo que nos atearam, lavando nossas angústias maiores, trazendo algum alento. Não como descanso, mas como a possibilidade de podermos dar conta minimamente das demandas emocionais de nossas vidas individuais para além das demandas coletivas.

E com a certeza de que há muito mais trabalho nos próximos tempos.

E antes tarde do que mais tarde, sem dó algum, eu desejo fogo a eles. Desejo que queimem num incêndio real, ardil, impiedoso, incontrolável, que as chamas não se cansem de crescer e queimar suas ideias criminosas, que as transformem em um pó que seja a partícula mínima para não ser esquecida, mas nunca mais fértil.

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Marta Leite Montagnana

caipira, feminista, produtora cultural mamando nas tetas da Lei Rouanet, artista sem talento formada na balbúrdia, calígrafa e tatuadora nas tantas horas vagas.