Diário de campo — 27/04

Marta Leite Montagnana
2 min readMay 7, 2022

É um pouco estranho, mas é algo que tem me acontecido naturalmente — observar animais e plantas longamente e então, quando vejo, estou envolta em afeto. Ontem foi uma aranha, ela fez durante dois dias seguidos sua teia na minha porta, bem na altura da minha cabeça. Passei o dia abrindo e fechando a porta para ela entender que ali não daria para ela ficar — já tinha feito isso com outra que fez a mesma coisa uns tempos atrás e funcionou, reparei que elas migram pela noite. Acontece que com ela não funcionou, ela até migrou, mas exatamente para logo após a porta. Decidi move-la com um cabo. Nisso, observei e vi que era uma aranha que estava há uns tempos no jardim perto da casa, estavam faltando duas pernas a ela, por isso eu sabia. Isso de marcá-la, me marcava também. E eu não sei, essa coisa de faltar partes acho que tem sido apenas uma coincidência. De qualquer forma, tentei levá-la a uma planta próxima, mas não tão próxima a ponto dela voltar para a porta. Desejei sorte, baita guerreira, esteve migrando nesses tempos, não é fácil ser retirada (foi um despejo, eu assumo, mas tentei ser cuidadosa e prevenir um acidente) de onde se escolheu morar. Ninguém merece. Esses movimentos com ela me fizeram observá-la ainda mais de perto, ver como se movia e era sempre muito interessante, ver as pernas se ajustando aos novos lugares, o corpo todo se curvando e modelando, é realmente um bicho que eu sempre gostei, acho bonito. Ocorreu que hoje, pela manhã, distraidamente eu a encontro novamente. Foi no puxadinho da garagem, há uns 30 ou 40 metros de onde eu a havia deixado. Fiquei num misto de surpresa pela distância e alegria pelo encontro. Ela achou um ótimo lugar e estava lá, bem linda com sua teia.
Isso de estar bem fixa em um lugar e poder observar a vida que faz entorno à minha e realmente compartilhar com elas desse lugar, tem sido afetuoso e nutritivo aos meus dias.

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Marta Leite Montagnana

caipira, feminista, produtora cultural mamando nas tetas da Lei Rouanet, artista sem talento formada na balbúrdia, calígrafa e tatuadora nas tantas horas vagas.