Diário de campo 26/04

Marta Leite Montagnana
2 min readMay 7, 2022

Desenvolvendo afeto por um animal não domesticado — não como uma tentativa, mas como simplesmente um ocorrido

Uma Maria Rita — deve ter outros nomes. Não sei se está machucada, possivelmente. Então ela deve estar tomando seu tempo de melhora ou também tendo seu leito de morte. Talvez eu esteja sendo sua companhia, sua proteção contra um passarinho?
Acontece que observada assim, como quem descansa calmamente, me surtiu afeto. Tirou a tensão da observação desse animal que voa aparentemente descoordenadamente (pois nós não temos a habilidade do voo) e carrega um ferrão, para um animal calmo e talvez em sofrimento. Todos os animais descansam calmamente, é uma cena gentil. E todos os animais sofrem. E tudo isso nos aproxima.
Ela está com uma pata cortada, reparei então que anda com dificuldade e parece não estar conseguindo voar. Tem buscado um lugar neutro e com sombra. Fiquei me imaginando sem um pedaço de perna, nem ninguém por perto. É um sofrimento impossível de compartilhar e só de pensar me agonia. Tentei ajudá-la. Mas ao que parece, ela sabe do que precisa e eu, na melhor das intenções, não compreendo sua realidade. Não entendo como é ter esse corpo, não sei quais são suas sensações e necessidades. Mas em silêncio e imóvel, observando, eu sinto amor.
Uma hora depois, ela já não estava mais lá, reclusa. Não sei o que lhe aconteceu. Acho que foi a vida que nos seguiu acontecendo.

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Marta Leite Montagnana

caipira, feminista, produtora cultural mamando nas tetas da Lei Rouanet, artista sem talento formada na balbúrdia, calígrafa e tatuadora nas tantas horas vagas.