Marta Leite Montagnana
2 min readApr 7, 2024

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Me olho no espelho há algum tempo gostando muito das minhas rugas do meu olho esquerdo. Esquerdo para mim. Sorrio para poder vê-las se formando e depois volto à face neutra para vê-las sumindo. Acho que são a parte favorita do meu corpo atualmente. Pode ser que seja o olho que gosto mais, eu não sei bem porque do esquerdo. Sou destra, é verdade. Talvez seja a forma como os cílios se juntam e depois as rugas seguem o mesmo traço da borda do olho, mas nas pontas se abrem como uma penugem, se dissolvendo no rosto. Acho que é a intenção desse olhar - parece que cada olho intenciona uma coisa e os dois juntos são essa junção que me formam, junto às outras composições. Meu olho esquerdo é mais astuto, ele é determinado, é o olho do fazer. O direito pondera, é mais calmo, pode olhar um rio ou uma fogueira por tanto tempo, contemplando. O esquerdo é esse que me leva a, enquanto o outro observa, julgar, ele gosta ou não, ele intenciona e vai. O direito é difuso, distraído numa multidão.
São rugas de riso. Cansaço acho que não se acumularam aí, sinto mais nas costas. Mas os risos foram ali, os risos que herdei da minha mãe. Acredito que o choro também.
Meu gostar talvez também venha disso, essas rugas me lembrem os olhos da minha mãe, ou da minha avó materna, ou até das duas. Um olhar em comum, ou mais de um, até, porque me perco um pouco no olho direito. Fato é que vejo as rugas com os dois olhos e um vê como quem passa, o outro gosta como quem fica.

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Marta Leite Montagnana

caipira, feminista, produtora cultural mamando nas tetas da Lei Rouanet, artista sem talento formada na balbúrdia, calígrafa e tatuadora nas tantas horas vagas.